O Positivismo não é tecnocrata.

 

O Positivismo não é tecnocrata.

 

Arthur Virmond de Lacerda Neto. 18.V.2020.

 

Pedantocracia é neologismo criado por João Stuart Mill, em carteamento com Augusto Comte e que este aprovou e aproveitou no seu Curso de filosofia positiva (vol. VI, p. 448), como equivalente de “locuções muito compostas” (ibidem) de que este se servia antes de fazê-lo com o neologismo que nomeia o “reino do espírito” (vol. VI, p. 448), a exemplo do mandarinato chinês e das utopias da metafísica grega. A pedantocracia corresponde ao governo dos teóricos, exercido por intelectuais e, por tabela, a tecnocracia. Comte qualifica-a de “[…] concepção tão perigosa quão quimérica, não menos contrária às condições do progresso do que às da ordem […]” (Curso, vol. VI, p. 447).

Alfredo Severo dos Santos Pereira, positivista ortodoxo, ensina, sobre o poder espiritual (ou seja: intelectual e moral) preconizado pelo Positivismo: “[…] poder espiritual representado por uma corporação scientifica encarregada de dirigir teoricamente , do alto, os negocios humanos, falando em nome da sciencia aconselhando, julgando e dirigindo. Está claro que esse poder teórico actuando, apenas, sobre os cérebros, não se deve imiscuir na esphera de acção propria ao governo temporal ou executivo e muito menos na actividade industrial.

Surge ahi, nitidamente,  a separação entre a theoria e a pratica, solidarias, mas distinctas, uma não devendo invadir a outra. Tão nocivo é o açambarcamento do poder theorico pelo poder pratico, como o deste por aquelle. No primeiro caso temos o regallismo, a tyrannia, no segundo, a pedantocracia, a technocracia, o clericalismo, emfim, quer seja theologico, quér seja leigo.” (O conhecimento do homem, 1938).

Alfredo Severo propôs substituir-se pedantocracia por theoreocracia (ibidem, p. 178), governo dos teóricos, o que inclui técnicos e, portanto, a tecnocracia cuja adoção a política positivista antagoniza.

Em parte nenhuma da obra de Augusto Comte existe proposição, sugestão, recomendação, insinuação de que o governo deva ser encabeçado por técnicos ou teóricos. Todo governo deve pautar-se por critérios técnicos no sentido de que a decisão política não deve ser caprichosa, arbitrária nem irresponsável e sim criteriosa, fundamentada na ciência, entendida em sentido lato de conhecimento da realidade (é o que alguns epitetam de “política baseada em evidências”), o que pode incluir a ciência propriamente dita. Por exemplo: a biologia, o conhecimento médico, o parecer do epidemiologista deve orientar o repúblico acerca da época do ano em que se deve propiciar vacinas e quais; o engenheiro deve ser consultado para a preparação de edital de construção de ponte; o jurista deve ser ouvido em relação à modernização dos códigos, sentido em que eles prestam assessoria técnica ao governante sem serem os próprios governantes.

Em repúblicas, o governante deve ser exatamente isto: governante e não técnico que governa, embora seja de toda conveniência, para a boa política, haver técnicos no governo. Pertence-lhe estabelecer as diretrizes da ação dos poderes públicos e executá-las sob aconselhamento técnico.

O governo idealizado pelo positivismo, chamou-o Augusto Comte de sociocracia: governo republicano em favor da sociedade em geral (e não apenas pró-parte dela), com liberdades individuais e cívicas, dedicação ao bem comum, opinião pública que se manifeste livremente, poder espiritual (moral e intelectual) inspirado na fraternidade universal, capaz de atuar como porta-voz dos anseios das pessoas; atividade política subordinada à moral vigente. Não o nominou de teocracia, nem de democracia (conceito cuja polissemia não deve induzir em equívocos: o Positivismo consagra as liberdades individuais e cívicas, sentido em que é democrata) nem de pedantocracia; não o teria qualificado de tecnocracia. Qualificam-no assim seus adversários, nomeadamente os novos conservadores, olavistas e olavinhos.

O positivista carioca Paulo Antunes Lacaz nomeia o regime positivista de societocrata: sociocrata com ética, em neologismo rico de significado e que desmente a pretendida tecnocracia positivista: societocracia e não sociotecnocracia.

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