Quem é “VIRMOND, A.” nos livros de Gustavo Biscaia de Lacerda.

 

Quem é “VIRMOND, A.” nos livros de Gustavo Biscaia de Lacerda.

Arthur Virmond de Lacerda Neto.

Acha-se, disponível na rede, desde 2011, uma tese de doutoramento aprovada na Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada (com mau gosto) “Momento comtiano”, relativa ao pensamento do Positivismo de Augusto Comte, em que o autor, Gustavo Biscaia de Lacerda,  menciona, no texto e na bibliografia, “VIRMOND, A.”.

A. Virmond sou eu, de nome completo Arthur Virmond de Lacerda Neto, que deveria haver sido mencionado da forma academicamente correta, ou seja, “LACERDA NETO, A. V. de”.

O já agora professor pós-doutor Gustavo é meu irmão germano (somos filhos dos mesmos pai e mãe) e, obviamente, conhece-me o nome completo e as regras acadêmicas de citação de autores, que seguiu corretamente em relação a todos os que cita, exceto no que me concerne. Sou o único autor cujo nome ele elidiu, parcialmente, para ocultar o meu segundo sobrenome, Lacerda, e evitar, com isto, que o leitor perceba o parentesco existente entre nós.

Escrevi dois livros que tratam especificamente do Positivismo e outro em que há capítulos sobre ele, a saber: “A república positivista. Teoria e ação no pensamento político de Augusto Comte”, que o autor menciona na sua tese e no seu livro “Laicidade”; “A desinformação anti-Positivista no Brasil”, que Gustavo menciona no seu livro “Laicidade”; “Provocações”, com capítulos acerca do Positivismo, que Gustavo não menciona na sua tese nem em “Laicidade”.

A bibliografia da sua tese omite “A desinformação anti-Positivista no Brasil” e “Provocações”, que ele deveria haver, no mínimo, consultado; se não o fez, deixou de recorrer a livros de que dispunha, quanto mais não fosse porque lhe dei, pessoalmente, um exemplar de “A desinformação anti-positivista no Brasil” que publiquei no mesmo volume em que publiquei a “Pequena história da desinformação”, de Vladimir Volkoff: trata-se de dois livros em um só tomo, de que ele menciona o segundo, na bibliografia.  A quem consultou o de Volkoff é materialmente impossível ignorar a existência de “A desinformação anti-positivista no Brasil”. Na sua tese, ele o ignorou adrede: fingiu desconhecê-lo.

A menção errada do meu nome e a omissão de dois dos meus livros constituem falhas imperdoáveis. Não foram casuais; ao contrário, foram intencionais, no intuito de ocultar o meu nome e parte da minha obra. A atitude do autor da tese constitui falha acadêmica, pelo que ela não poderia, jamais, haver sido aprovada com louvor, como o foi: ao contrário, sem louvor, e com censura pela atitude mesquinha de que ela serviu de instrumento, como veículo de ódio de família que, no seu autor, sobrepujou e ainda sobrepuja a correção acadêmica.

Após a disposição da tese, na rede de computadores, dirigi-me, privadamente e por escrito, a Gustavo. Protestei contra a mutilação do meu nome; em resposta, recebi subterfúgios cínicos. Quando lhe esfreguei na cara a regra da Abnt, concernente à citação dos nomes dos autores, ele calou-se.

Em 2016, Gustavo publicou  “Laicidade na I República Brasileira” (Curitiba, Appris Editora), em cuja página 162 insiste na aleivosia de identificar-me com o meu nome mutilado, a saber, “VIRMOND, A.”.

O professor pós-doutor Gustavo Biscaia de Lacerda odeia-me ferozmente há, pelo menos, dez anos; recusava-me, com ódio velado, há cerca de vinte, suspeito de que por homofobia internada (“internalizada”).

Em 2016, ele persiste, se não no seu ódio, certamente sim no procedimento soez de ocultar-me a identificação por nome completo e o nosso parentesco, com evidente infração da correção acadêmica (porquanto “Laicidade” foi-lhe texto de pós-doutorado) e da probidade com que menciona as suas fontes, ao menos em relação ao que me toca.

No seu blogue “Filosofia social e Positivismo”, o pós-doutor Gustavo mantém as ligações de vários sítios eletrônicos de interesse positivista, porém não o do meu “Positivismo de Augusto Comte” (https://positivismodeacomte.wordpress.com/).

Cada um julgue do valor moral e da lisura acadêmica com que o professor pós-doutor Gustavo Biscaia de Lacerda me vota ódio e com que elide ao público, nas suas obras, a minha identificação. Ele sonega aos seus leitores informação que lhe era acadêmica e intelectualmente obrigatório propiciar-lhes; ele desinforma-os.

Cada um julgue se ele procedeu com probidade acadêmica e lisura intelectual ou se atuou com inegável desonestidade acadêmica e intelectual.

Pergunto: há probidade ou improbidade em sonegar, deliberadamente, em parte, o nome de autor que cita em nota de rodapé e na bibliografia, em tese de doutorado e em texto de pós-doutorado, acessíveis ao público, nome que ele obviamente conhece, por inteiro? ? Representa reincidência de improbidade persistir na mutilação do meu nome (em livro de 2016), a despeito do meu protesto, em 2011, e ainda que eu não houvesse protestado ? ? Ou ele foi probo, honesto, correto, moral acadêmica e intelectualmente, ao mutilar o meu nome, cujo enunciado obviamente conhece e cuja enunciação como “LACERDA NETO. A. V. de” era-lhe imperiosa, academicamente  e por lisura intelectual ? ?

Não se trata, da minha parte, de mera vaidade ferida por descuido do pós-doutor. Academicamente, a menção correta dos autores é forçosa: o pós-doutor jamais incorreria em tal desatenção de boa-fé.

Não se trata de questão de somenos, de meros sobrenomes, de picuinha de autor enfatuado: trata-se do intencional, deliberado, consciente obscurecimento da minha pessoa, da vinculação dela aos meus livros e do parentesco existente entre mim e Gustavo. Como “VIRMOND, A.”, não sou eu; não sou o autor dos meus livros e não sou irmão de Gustavo. Eu sou eu, bibliograficamente, como “LACERDA NETO, A. V. de”: desta forma, academicamente correta, o meu nome corresponde-me à pessoa; somente ela identifica-me, realmente, como autor dos meus livros; por ela, nota-se a coincidência de sobrenomes entre mim e o pós-doutor, o que, por sua vez, suscita, no mínimo, suspeita de parentesco entre ambos.

Identificado pela forma como o pós-doutor o fez, é como se eu não fosse eu: “VIRMOND, A.” não é ninguém.  Para o leitor desavisado,  “LACERDA NETO, A. V.  de” e “VIRMOND, A.” são duas pessoas, de que a segunda nenhum parentesco guarda com ele; no meio acadêmico, é indesculpável tal infração das regras da Abnt.

É evidente que qualquer leitor, ao se lhe deparar o nome Arthur Virmond de Lacerda Neto, percebe a coincidência com o Lacerda de Gustavo Biscaia de Lacerda: é esta percepção que o pós-doutor elide, capciosamente. Ele almeja evitar que os seus leitores percebam haver outro Lacerda, autor de livros sobre o Positivismo, e anteriores aos dele; deseja evitar a pergunta, no espírito do leitor: “Qual é o parentesco entre ambos?” e a resposta: “São irmãos germanos”.

Ele, que pontifica graças ao Positivismo, talvez insuporte, intimamente, dever-me a mim havê-lo conhecido. Talvez também me inveje, do que suspeito há cerca de vinte anos. Creio que me odeia por homofobia internada (“internalizada”).

Em 2018, o doutor Gustavo ejaculou novo livro, intitulado Comtianas brasileiras, em que persiste na desonestidade em causa (p. 288). Redigido em estilo amiúde prolixo, com vício do duplo sujeito, galicismos e outros defeitos, disse (p. 275): Ter diploma universitário, doutorado e ser professor não são garantias de conhecimento nem de integridade intelectual”. Confirmo-lhe as palavras, em relação a si próprio, na parte da “integridade intelectual” e de “VIRMOND, A.”. Melhor do que disse o doutor Gustavo, não o diria eu.

 

 

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VOCABULÁRIO E NEOLOGISMOS EM AUGUSTO COMTE.

Augusto Comte (1798 – 1857) celebrizou-se como fundador do Positivismo e da sociologia, como instituidor da religião da Humanidade[1]; como autor do lema “Ordem e Progresso”; como autor das vozes altruísmo e sociologia.

     Na semântica, todavia, a sua contribuição excedeu aqueles neologismos: outros criou, palavras e locuções, e os empregou: altruísta, anatomia abstrata e anatomia elementar, biocracia, biocrático, bionomia, biotaxia, biotomia, eletrologia, espírito positivo, feiticidade, filosofia positiva, filosofia primeira, filosofia segunda, filosofia terceira, física abstrata, física celeste, física concreta, física social, fisiologia frenológica, geometria especial, geometria geral, Grão-Feitiço, Grão-Meio, Grão-Ser, ordinalidade, orgulho-vanitite, política positiva, positivar, positividade, positivismo, positivista, psicologismo, sociocracia, sociocrata, sociocrático, sociolatria, sociolátrico, sociológico, sociologista, teolatria. No todo, quarenta e três vocábulos (incluídos altruísmo e sociologia).

     Também conferiu significados novos a étimos já existentes: introduziu polissemia em: alma, clima, crise, dinâmica, estática, humanidade, meio, moral, orgânico, positivo, solidariedade; também ressignificou sociologia (neologismo seu), ou seja, em doze palavras.

     Somadas as inovações de polissemia aos neologismos, Augusto Comte incrementou com cinqüenta e cinco vozes o linguajar filosófico e científico.[2]

     Adotou, também, sinonímia entre bionomia e fisiologia, cosmologia e geologia, antropologia e sociologia, antropologia e moral, humanidade e socialidade; humanidade e bondade universal; necessário, indispensável e inevitável.

Exponho, uma a uma, as tais 55 inovações semânticas produzidas por Comte em sua obra.


[1] Correntemente identifica-se religião com teologia e esta com o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.  Comte empregava o nome religião etimologicamente, como religamento da pessoa com o meio humano. A religião da Humanidade compreende elementos intelectuais (conhecimento da realidade), inspirações afetivas (altruísmo) e práticas (republicanismo, laicismo, liberdade, destinação social da riqueza, valorização da alta cultura, da família, da pátria), sem deus ou, com mais precisão, sem sobrenatural. Tata-se de sistema de orientação da pessoa e de engrazamento das pessoas com altruísmo e espírito público, humanismo e senso de realidade.

[2]  Tal contagem não é forçosamente completa: outros vocábulos ser-lhe-ão virtualmente adicionáveis.

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A REVOLUÇÃO FRANCESA.

O sucessor de Augusto Comte, Pedro Laffitte, proferiu conferências em que analisa a revolução francesa de 1789 consoante ao modo de ver positivista; foram elas reproduzidas por Eugênio Robinet e publicadas em 1895.

Aqui dou tradução, que revi, de tal publicação.

SUMÁRIO.

  1. Necessidade e legitimidade da Revolução Francesa; seu caráter geral, sua sede principal e seus agentes especiais.
  2. Tentativa de Turgot. Sua demissão: primeira falta de Luís XVI.
  3. Apreciação geral da Assembleia Constituinte.
  4. Pormenores das operações desta Assembleia (aplicação da doutrina revolucionária à reorganização da sociedade).
  5. A Assembleia legislativa, seus principais atos.
  6. Filosofia do 10 de agosto. Uma vez instituída, a república tinha duas operações fundamentais que realizar:  punir o rei e desembaraçar-se dos girondinos, primeiramente; em seguida, estabelecer seu governo.
  7. Apreciação do 21 de janeiro de 1793.
  8. Apreciação do 31 de maio e do 2 de junho de 1703.
  9. Criação do governo revolucionário.
  10. Que foi e que deveria ter sido o governo revolucionário.  O Terror: seu caráter fundamental, sua legitimidade, seus resultados, seus abusos.
  11. Qual deveria ter sido a duração do governo revolucionário?
  12. Ação especial da Comissão de Salvação Pública na ditadura revolucionária.
  13. A revolução era pacífica; seus princípio e tendências fundamentais.
  14. A  Convenção nacional.
  15. Robespierre: primeira fase retrógrada da Revolução.
  16. Reação termidoriana: a retrogradação acentua-se pela entrada dos girondinos.
  17. Decretos de 5 e de 13 de frutidor do ano III e repressão do 13 de vindimário.
  18. Constituição do ano III; o 18 de frutidor do ano V.
  19. A ditadura militar: Hoche e Bonaparte.
  20. Bonaparte: segunda fase retrógrada e abortamento da Revolução.
  21. Conclusão.

APÊNDICE

Discursos pronunciados por Pedro Laffitte, quando da inauguração:

1.° Em Paris, da estátua de DANTON.

2.° Em Antibes, do busto de CHAMPIONNET.

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MORAL LAICA E NUDEZ.

Dois eram os fitos precípuos do Positivismo: incorporar o proletariado à sociedade moderna, laicizar a ética e a moral; o primeiro capítulo inspirou a simpatia dos positivistas para com os trabalhadores e, no Brasil, o surto da legislação laboral; o segundo capítulo abarca também reconhecer a naturalidade de todas as partes do corpo, designadamente as que o cristianismo demonizou, e sua inocência. Elas são a mentula, o escroto, as mamas, a vagina, a bunda.

A mentalidade cristã gimnofóbica permeia nossa sociedade e influencia até ateus, livres-pensadores, marxistas, positivistas, que aderem ao conceito (de matriz cristã) de que mentula e mamas são inapresentáveis, em lugar de tê-los como inocentes.

De facto, o cristianismo ainda modela assaz a mentalidade no Brasil, em diversos temas como aborto, eutanásia, conceituação de obscenidade, presença de igrejas em meio às classes baixas, moralidade sexual nelas, austeridade de costumes também nelas, gimnofobia em geral, vergonha da nudez, imposição de vestuário em dados ambientes laborais e estudantis.

Há ateus-cristãos, laico-cristãos, positivistas-cristãos: professam doutrinas emancipadas da teologia mas aderem a valores e costumes parcialmente oriundas dela. Conquanto as mentes se venham laicizando desde o século XIII, no Brasil ainda persistem elementos da inculcação teológica nos costumes, máxime nas classes baixas.

O positivismo colima haja ateus-humanistas, laicos-humanistas, positivistas, libertos de resquícios teológicos, bíblicos, em seus valores e hábitos e plenamente adeptos de valores e hábitos antropocêntricos.

Essa reflexão, aplicada às partes do corpo e ao nudismo, transcende a circunstância de estar-se nu ou de pregar-se a inocência de mentula, mamas, vulva, nádegas.

Não se cuida de marxismo cultural, gramcismo nem de esquerdismo; notai vós que marxistas culturais e esquerdistas não se batem pela naturalidade da nudez e não se opõem à gimnofobia (salvo, acaso, uma que outra exceção), nem ser naturista vincula-se com esquerdismo nem direitismo.

A naturalidade da nudez e a ausência de vergonha do corpo e de ser visto nu eram típicas de gregos e de romanos. Benjamin Franklin, João Goethe, Walt Withman eram nudistas; se não estou em erro, também Bertrando Russell.

A exposição à luz solar com nudez integral foi recomendada por médicos franceses e alemães na segunda metade do século XIX, o que facilitou a despornificação da nudez na Alemanha, na Áustria, na França, especialmente em suas zonas protestantes.

A cultura do corpo livre (de tabus e preconceitos), em alemão “freikörperkultur” (F. K. K.), como ética da nudez inocente, acha-se entranhada na mentalidade dos alemães, austríacos, franceses, croatas, espanhóis, há décadas e gerações. Na Alemanha havia (há ?) escolas nudistas, com aprovação oficial.

Reparai vós em que a cultura do corpo livre representa forma de ética humanista e coaduna-se com o afã positivista de laicizar a ética e os costumes. Não por acaso, a Europa é muito menos cristã do que o Brasil; em verdade, é ex-cristã e pós-cristã.

No RS, a Colina do Sol é a única “colônia” nudista do Brasil; na praia do Rio Grande, vinte anos atrás eram comuns mamas ao vento; já agora, menos, aparentemente porque curiosos fotografavam-nas com seus telemóveis.

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Positivismo e “positivismo” jurídico.

Positivismo é uma coisa; normativismo (mal chamado juspositivismo ou positivismo jurídico) é outra e um nada tem que ver com o outro.

É distinção importante para juristas e para interessados em geral.

Aprenda aqui as características de um e de outro.

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AMIZADES, AFETOS, ABRAÇOS.

Amizades, afetos, abraços.

                                                                                    Arthur Virmond de Lacerda Neto. 11.9.2022.

I – Amizades e afetos.     

O fundamento das amizades é a afinidade, não o afeto, nelas secundário, até terciário: há-as duradouras, sinceras, e inafetuosas, e as há afetuosas da parte de um amigo, sem sê-lo da parte do outro; também pode havê-las reciprocamente afetuosas. Se unilateralmente afetuosa, o único significado do afeto está no (passe a expressão) enriquecimento interior do amigo afetuoso, a única diferença que lhe faz consiste em que sua vida sentimental (em acepção latitudinária) terá mais conteúdo e poderá determinar-lhe atitudes afetuosas. Se reciprocamente afetuosa, tais significado e efeito serão comuns a ambos amigos.

      Amizade é tipo de relação humana de abertura para o outro, de aceitação do outro como individualidade, de reciprocidade e confidência; ela contém benevolência para com o amigo, não contém necessariamente carinho. As amizades carinhosas são raras e atípicas: poderão ser veramente fraternais, são as chamadas “amizades particulares” (em alusão ao livro “As amizades particulares”, de R. Peyrefitte) ou amizades amorosas, com natureza homossexual ou sem ela, e no segundo caso, com natureza apenas homofílica. As amizades carinhosas ante acentuada desigualdade etária podem ser paternais, isto é, compreender algum sentimento, da parte do mais velho, que teria um pai quanto a seu filho, de querer-lhe bem e até protegê-lo; reciprocamente, da parte do mais novo, compreenderá algum sentimento filial, análogo ao do filho para com seu genitor.

          É da experiência humana a da raridade de carinho entre amigos, conquanto haja (mormente entre jovens) camaradagem, entrosamento, intimidade em variegados graus; daí alguns vocativos típicos: “parça” (parceiro); “bróder”, “mermão” (dos cariocas).

Talvez haja algum componente de bissexualidade ou de homossexualidade (dissimulada ou não) na “broderagem”  e na figura dos “góis” (por má analogia com “gays”), fenômeno anterior a tais neologismos e que consiste na atividade sexual de homens entre si, em forma de experimentação mútua dos corpos, mercê de masturbação recíproca em duplas ou em magotes, e outros tocamentos, amiúde na adolescência e na juventude, fenômeno que potencialmente acompanha a amizade ou a camaradagem de jovens, em que a liberdade de uns com os outros, a curiosidade, o desejo, ocasionam tais manifestações.

     Nas sociedades de gênese cristã as demonstrações afetuosas entre homens são confundidas com expressões de homossexualidade e até mui recentemente eram censuradas, à conta da homofobia e da heteronormatividade; pouco se cultiva a afetividade e até se sustenta a ideia, tosca, de que o homem realmente masculino não exprime seus sentimentos, não chora, é “forte”; varões há ou havia segundo quem “homem não chora”, “homem não abraça homem”, “homem não acha homem bonito”, ditames preconceituosos, antiafetivos os dois primos e antinatural o terceiro. Somos deformados neste sentido desde crianças, quando devêramos ser educados sentimentalmente, isto é, com valorização dos bons sentimentos, com estímulo da simpatia, da empatia, da cordialidade (em acepção etimológica), o que abarca a expressão de tais sentimentos. Em 1981, ouvi os preceitos de que “homem não acha homem bonito” e de que “homem não abraça homem”; vá lá que os ouvi de varão preconceituoso, de formação curitibana, prontamente obtemperados por moça de formação paulistana, em que a origem e a idade de cada qual terá concorrido para a diversidade de juízos.

      Interessante manifestação afetuosa dá-se nas partidas de ludopédio (futebol), ao marcar-se tento (gol): reparai nos abraços que os jogadores dão-lhe ao autor, no toque dos corpos, nas mãos no rosto, no pesçoco: quer-se proximidade física, toque, envolvimento de corpos, o que sucede em público, em homens, perante homens, à guisa de comemoração, de alegria — também de afetividade ? Nestas circunstâncias, os machos abraçam-se, tocam-se, apertam-se, fazem, intensamente, o que fora delas não o fariam: são circunstâncias de exceção, ainda que explicar melhor.

A mímica afetuosa “começa pela tendência de aproximação; termina pelo contacto dos corpos ou de algumas partes do corpo.

  É na escolha instintiva das partes que se põem em contacto que se revelam as diversas formas de afeição […]”[1].

  “A expressão dos sentimentos pessoais é concêntrica, centrípeta; a das afeições benevolentes é excêntrica e centrífuga.”[2]: a mímica dos sentimentos bondosos e afetuosos vai do sujeito para o outro. Na mímica do amor e da benevolência, tendemos a aproximarmo-nos do objeto amado: ela “modela-se sempre consoante a este princípio fundamental: aproximar-se do que se ama.”[3] “No momento dessa aproximação, manifestamos sempre sentimento de prazer, que tem vários significados diferentes; porém todas podem ser referidas a esse ponto principal: mostrar a alegria de estar reunido ao que se ama e o desejo de reciprocidade.”[4]

“A afeição é força essencialmente centrífuga: ela tende a transvasar, por assim dizer, uma parte de nós próprios, na pessoa amada. Nosso eu sai quase por inteiro do próprio sujeito para entrar em outrem e incorporar-se a outra natureza humana.”[5]

   Na sociedade brasileira, as manifestações afetuosas decorrem notadamente em família, se e quando ocorrem: entre pais e filhos, avôs e netos, cônjuges, irmãos; também há, contudo, pais indiferentes a seus filhos, irmãos odientos, parentes indiferentes, cônjuges sem amor.

 “[…] somos educados como se não tivéssemos senão inteligência; a cultura do coração e do caráter fica inteiramente abandonada […]. Temos até vergonha de parecer ternos e sensíveis”, declarava Miguel Lemos a Raimundo Teixeira Mendes, em 1879.

Em algumas regiões do Brasil, soem rapazes e moças cumprimentarem-se com ósculo e amplexo; no meio homo juvenil curitibano[6], entre amigos e nas baladas, há uma década soía-se e de presente sói-se abraçar-se no cumprimento e na despedida, costume que, possivelmente, repete-se em meios homo de alhures, no Brasil, e que resultará de três motivos: 1) simpatia recíproca de seus integrantes, máxime nas décadas de homofobia mais intensa, por saberem-se vítimas (em variegados graus) da hostilidade ambiente (em família e fora dela), isto é, porque todos passassem por problemas análogos, sentiam um pelos outros empatia e solidariedade; 2) ausência do preconceito de que homem não abraça homem; 3) imitação.

Segundo consta, os povos latinos são afetuosos (brasileiros, portugueses, espanhóis, italianos, franceses; estou em crer que também argentinos e mais povos da América do Sul), contrariamente aos britânicos, retraídos.

Augusto Comte (criador do Positivismo e da Sociologia) discriminou 18 funções afetivas, intelectuais e práticas no ser humano, o que nomeou alma humana ou quadro cerebral, em que o substantivo alma tem nenhuma acepção sobrenatural (teológica), mas sentido imanente, natural, e serve para descrever a natureza humana. As funções afetivas abarcam os sentimentos egoístas (voltados ao próprio indivíduo) e os altruístas ou instintos sociais (voltados a outrem); estes são o apego, a veneração e a bondade, inclinações de generosidade dicadas, respectivamente, a quem nos seja igual, a quem nos seja superior, a quem nos seja inferior, tomados esses adjetivos quanto à idade, à condição social, intelectual, profissional — em suma, relativamente a critérios desigualadores. O sentimento de simpatia universal, Comte nomeou humanidade e adotou como critério de comportamento ideal do homem afetuoso, inspirado tanto quanto possível pela simpatia para com pessoas, fauna, flora, para com a própria Terra, sentido em que é valioso educar o infante, o adolescente, o adulto: realçar a beleza moral dos bons sentimentos e seu mérito nas relações humanas, encarecer as manifestações de simpatia humana e desaprovar as de antipatia, já no trato pessoal, já nos costumes, já na política (em sentido latitudinário).

          São expressões, por exemplo:

  1. de simpatia no trato pessoal: saudar conhecidos ao invés de ignorá-los (lição para curitibanos), ser gentil em lugar de rude; ser atencioso; ser caloroso (como os brasileiros saber ser), que não seco (como os curitibanos sóem ser); empregarmos vocativos como “meu amigo”, “prezado colega”; sermos amistosos com os amigos e também com estranhos.
  2. De simpatia nos costumes: cultivarem-se relações de amizade, de família, de vizinhança, de coleguismo; oferecerem-se flores ou prendas por ocasião dos anos de outrem, aporem-se flores nas tumbas de nossos mortos queridos, na conversação termos tato para não melindrarmos o interlocutor, usarem-se fórmulas de polidez (por favor, por obséquio, por graça, por mercê; desculpe-me; obrigado, grato, bem haja; com licença), ensinar-se empatia às crianças.
  3. De simpatia na política:espírito público, zelo do bem comum, esforço pelo melhoramento da condição de vida do público em geral (incorporação do proletariado à sociedade, na fórmula positivista).

          Nas classes média média, média alta, e alta, a simpatia no trato pessoal equivale às boas maneiras: gente polida pratica-a, quer espontaneamente, quer por educação; gente rude é-o por carência de boas maneiras, isto é, de consideração para com o próximo: a falta de polidez sempre se dá na relação com outrem, a quem o rude trata com escassa amabilidade ou sem ela.

          Empenhado na educação (em sentido próprio de formação de valores, orientação de comportamentos, dotação de conteúdo intelectual) Comte instituiu a Biblioteca Positivista, acervo de livros cuja leitura recomendava, de história, filosofia, literatura e ciência, em que inseriu Paulo e Virgínia (de Bernardino de S. Pierre, de 1787) e O vigário de Wakefield (de Olivério Goldsmith, de 1761): aquele descreve a simpatia mútua de seus heróis; o segundo expõe a bondade de seu protagonista e os hábitos simpáticos de sua família; ambos dão o exemplo de humanidade.

O leitor interessado no tema da amizade lerá, proveitosamente:

1- Psicologia da amizade, de Mário Gonçalves Viana.

2- A Amizade, de Francesco Alberoni.

3- Educar para a amizade, de Gerardo Castillo.

4- Da Amizade, de Anne Vincent-Buffault.

5- Memórias de duas amizades, de Arthur Virmond de Lacerda Neto.

6- Sentimentos e costumes, de André Maurois.

II- Abraços.

     Dentre as características que individualizam o ser humano e o distinguem dos animais, contam-se o desenvolvimento superior das suas inteligência e afetividade: mais inteligente de todos os seres vivos, o humano é também o dotado da maior capacidade afetiva, de experimentar sentimentos e de exprimi-los, tanto os maus quanto os bons.

     São maus a inveja, a possessividade, o ciúme, o ódio, o ressentimento, a zanga, a animadversão, a antipatia, o desprezo, a altanaria, a vaidade, a intolerância, a prepotência, a indiferença. Todos eles provocam, em graus diversos, alguma espécie de sofrimento no nosso semelhante e identificam-se na sua comum atitude negativa em relação a ele.

     Por outro lado, há o carinho, a bondade, a admiração, a veneração, a ternura, a paciência, a compaixão, a tolerância,  a fraternidade, o desprendimento, a solidariedade, o preocupar-se com os outros. Todos eles propiciam, em medidas várias, algum tipo de conforto no nosso semelhante e caracterizam-se por sua comum atitude positiva acerca dele.

     No caso dos bons sentimentos, predomina o altruísmo; no caso dos maus, o egoísmo: naqueles, achamo-nos com o outro, somos nós mais o outro; nestes, achamo-nos sem o outro, apesar dele, até contra ele, somos nós menos o outro. Aqueles aproximam e unem, estes, afastam e dividem; aqueles felicitam nosso semelhante, estes, infelicitam-no ou, quando menos, não o felicitam e possivelmente infelicitam-nos a nós.

     Assim como há variações de temperamento entre as pessoas,  as há também de afetividade: cada pessoa encarna um sistema de sentimentos em que os bons e os maus combinam-se em diferentes proporções e verificam-se em diferentes situações.

     Entre uns e outros, são preferíveis os bons. Porém adotá-los apenas, talvez não baste: é enriquecedor da relação humana exprimi-los: sensibilidade que se não confessa, que se não deixa perceber (por palavras, atitudes, gestos, sorrisos, tons vocais), é sensibilidade inexistente para quem a votamos.

     Aspecto da diversidade entre as pessoas corresponde às múltiplas formas como elas exprimem-se afetivamente, desde quantas, por timidez ou por temperamento, contêm-se e ocultam seus sentimentos, até quantas exteriorizam-nos.

     Há vários modos de exteriorização dos bons sentimentos: alguns preferem presentear; outras, visitar, telefonar, parabenizar no dia de anos, enviar cartões e mensagens de final de ano. Outros (os casais apaixonados) dão-se as mãos, beijam-se, recostam-se um no outro e deixam-se ficar assim, em silêncio: de mais não carecem: basta-lhes a proximidade física, sentir um o corpo do outro.

     Alguns abraçam: praticam o gesto, físico e afetivo, de aproximação: peito contra peito é o mesmo que coração junto de coração; são duas afetividades que se confessam, dois corpos que se tocam.

     Ocasionalmente, as pessoas estão carentes de atenção, carinho, afeição, e não os tem, não os recebem, amargam-lhes a falta, confrangem-se por isto, o que lhes chega mesmo a provocar alterações orgânicas: o físico padece quando sofre o moral. Em outras ocasiões, elas acham-se imbuídas de carinho, de afeição, de bem querer, o que se lhes transborda: é quando expressam sua afetividade, e abraçam.

     O abraço é gesto de carinho, externização de afetividade; é natural, é  normal, sobretudo é humano e principalmente é bom: abraçar é bom, provoca sensação de prazer emocional,  de conforto psicológico e  físico: o organismo beneficia-se quando experimentamos boas emoções.

     Os toscos, notadamente homens, porventura confundem o abraço com inclinações homossexuais, motivo por que evitam abraçar e desgostam-se quando abraçados, em preconceito que dificulta a expressão afetiva e, portanto, inibe uma forma de felicitar-se as pessoas. Por idiossincrasia, por desgosto de contactos físicos, o abraço será incômodo para alguns, como pode também sê-lo dependendo da ocasião e de seu autor específico em relação a seu recipiendário específico: abraçar pode ser invasor, não é forçosamente bem-vindo, embora geralmente o seja. Os tímidos, os introvertidos, os melancólicos, têm menos espontaneidade e desenvoltura para abraçar do que os extrovertidos e alegres.

     Há abraços amorosos, entre quem se ama, bem assim os há afetuosos, confessores de amizade, compreensão, solidariedade, perdão, carinho, amor, bondade, simpatia, empatia: tudo isto é bom, como o é manifestar tudo isto e ser objeto disto tudo. Há abraços entre conhecidos, amigos, colegas, camaradas, parentes, desconhecidos; ocorrem entre quem já se conhece e entre quem se conheceu na ocasião em que ele se dá. Alguns ocorrem por pura espontaneidade afetiva e afetuosa; outros, em surtos de alegria (como entre ludopedistas, ao marcar-se tento; em festas de anos; em comemorações de êxitos); a ainda outros induzem sentimentos gratos, ao ser homem objeto de especial atenção de outrem (ao ser presenteado com prenda que o sensibiliza, por exemplo).

     É bonito abraçarem-se pais e filhos, pais entre si, irmãos entre si, amigos entre si, estranhos entre si, porque é bonito uma pessoa abraçar outra, como é bonito, e humano, tratarem-se carinhosamente as pessoas, por gestos, atitudes e palavras.


[1] P. Mantegazza, A fisionomia e os sentimentos. Paris, 1897, p. 119. Traduzi.

[2] P. Mantegazza, A fisionomia e os sentimentos. Paris, 1897, p. 111. Traduzi.

[3] P. Mantegazza, A fisionomia e os sentimentos. Paris, 1897, p. 115. Traduzi.

[4] P. Mantegazza, A fisionomia e os sentimentos. Paris, 1897, p. 115. Traduzi.

[5] P. Mantegazza, A fisionomia e os sentimentos. Paris, 1897, p. 116. Traduzi.

[6] É traço assinalável no desbrasil que é Curitiba, em que as externizações afetuosas são mui contidas e até ausentes, característica (dentre outras) do curitibóca, que não serve como exemplo recomendável de interação nem de afetividade humanas, e sim como seus contraexemplos, como tipo do humano taciturno, carente de simpatia e de calor humano, o que é sobejamente conhecido e facilmente reconhecido pelos forasteiros em Curitiba.

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Frederico Hayek e o “positivismo”.

O vídeo “A farsa positivista”, de Aldo Pereira, é peça de desinformação, eivado de simplificações e de distorções; ele não expõe o que seja o positivismo nem qual foi sua herança no Brasil; bastante superficial, não transmite nenhuma imagem real do Positivismo, sequer uma sua distorção, no que se chama falácia do espantalho: tranmite qualquer cousa, menos o que seja o Positivismo.

Esse vídeo erra ao atribuir ao Positivismo origem no iluminismo, como germano do socialismo: o Positivismo não é produto do iluminismo (embora seja-lhe posterior), não se inspira precípua nem principalmente em seu ideário: como método cognitivo, ele remonta à antigüidade grega e vem se desenvolvendo à medida mesmo que a humanidade acumula conhecimentos sobre os fenômenos da natureza (nele compreendidos os humanos) e incrementa sua capacidade interventora nela; o espírito positivo não é refeitura do espírito iluminista, e confundir um com o outro demonstra o primarismo de quem assim o pensa.

A visão antagônica ao Positivismo de Frederico Hayek, que o vídeo menciona e em que se inspira, corresponde a certo modo de distorcê-lo. Há o Positivismo que o vídeo chama difuso e que chamo espírito positivo, isto é, a interpretação da realidade como constituindo-se de diversos fenômenos irredutíveis uns aos outros e todos regidos por leis naturais, que ensejam ao homem conhecer a realidade e planejar ações; outra coisa, alheia ao Positivismo, é o que o vídeo lhe imputa: a criação do estado burocrático, a estatização e a socialização, que terá influenciado, segundo o vídeo, o escol dirigente dos países ocidentais, como se a política positivista houvesse granjeado a adesão de governantes e políticos em geral. Influência do Positivismo realmente houve, nos meios intelectualizados de seu tempo: professores universitários, figuras intelectualizadas, mulheres, pessoas comuns, também alguns políticos, aderiram-lhe à concepção de que, em lugar de nos regermos por critérios teológicos e ou imaginários, devemos nos reger pelo conhecimento positivo, isto é, fundado em factos, que nos permitam conceber e empreender ações coletivas. Tal é o sentido do aforisma “saber para prever a fim de prover”: é elementar que, na vida individual e na vida política, desejamos conhecer o estado de cousas em que nos encontramos, para prevermos os efeitos de nossas iniciativas e providenciarmos decisões que levem aos resultados que pretendemos. Qualquer pessoa em sua vida privada, qualquer governo, qualquer instituição dotada de um mínimo de racionalidade e de inteligência procede assim; somente neste sentido amplo e vago, se pode dizer que o Positivismo entranhou-se nos governos ocidentais em geral e que “não possui rosto próprio” e é difícil de definir. É desejável que toda pessoa, todo governo, toda política, atue racionalmente com conhecimento de causa e previsão dos efeitos de suas decisões, sentido em que não se pode, a título nenhum, censurar nenhum governo por, nessas condições, “positivista”.

O vídeo não sabe reconhecer o que sejam espírito positivo (critério metodológico de conhecimento da realidade e de ação nela) nem Positivismo (doutrina presente nas obras de Augusto Comte); pensa saber o que “positivismo”, que na concepção de Frederico Hayek é nome de que ele, desastradamente, se valeu como bode expiatório para simbolizar seu inimigo intelectual.

É grossa tolice afirmar que o Positivismo “não tem rosto próprio”: ao revés, ele o tem, e perfeitamente reconhecível: encontra-se nas obras de Augusto Comte, nas de seus discípulos (como Laffitte, Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Joaquim Bagueira Leal, Ivan Lins), na religião da Humanidade, em seu espírito republicano, em sua ética laica, em seu estímulo da fraternidade, na recusa da teologia. O que não tem “rosto próprio” é a coisa indefinida que Frederico Hayek chamou “positivismo”, por incompetência semântica, e que alguns macaqueiam, por incompetência intelectual.

Comete erro o vídeo ao qualificar a sociedade como ente metafísico, erro tão tosco que bastaria ele para desacreditar a qualidade intelectual do que antecede e do que sucede a essa parlapatice. Há outras incorreções, como a de que, segundo Comte, a ciência deve ser a bússola da humanidade: a ciência é o critério de conhecimento da realidade (e não mais a teologia nem a metafísica); graças a ela não imaginamos nossa realidade, porém averiguamo-la e com base em sua averiguação (não em sua imaginação) podemos nela intervir. A bússola da humanidade, para o Positivismo, não está na ciência, senão no espírito positivo e nos valores de liberdade e de fraternidade, que Comte amplamente desenvolveu em sua segunda obra, o Sistema de política positiva, que os liberais brasileiros precisam de ler, para pouparem-se de bostejar.

Chamar ao positivismo ideologia burguesa é apodo típico de marxistas, demonstração de que tanto a “direita” quanto a esquerda brasileiras interpretam-no mal; dizer que o positivismo sustentou a escola e o estado burocrático só pode ser tomado como encômio, na primeira parte: o Positivismo deseja que todos recebam instrução, quer em ciência, quer em conhecimentos gerais, com formação humanista que eleve a massa humana ao estado de civilização em que vivemos. Por outro lado, um mínimo de organização burocrática é indispensável em qualquer estado, em qualquer instituição que se pretenda eficiente, o que é distinto de estado altamente burocratizado, como o vídeo depreciativamente insinua.

Outra bobagem que revela o raso nível de informação do vídeo é a asserção de que Comte criou igreja em que “a razão seria entronizada”: não; ele criou a religião da Humanidade, em que tomou como dogma o da Humanidade; a entronização da razão foi obra do culto da Razão, sustentado por breve período, por Robespierre.

No Brasil, o Positivismo adentrou nos meios civis e militares, não principalmente nestes; um de seus próceres, Benjamin Constant, chefiou a insurreição de 15 de novembro; a influência imediata dos positivistas na organização da novel república deu-se pela separação entre igreja e estado, com a instituição da liberdade de crenças (e de descrença) e pela proposição à assembleia constituinte de1891 de dezenas de dispositivos consagradores das liberdades individuais.

A exposição histórica relativa a proclamação da república é, como tudo nesse vídeo, rasa e carente de melhores informações. Nada tem que ver com o positivismo a política de imigração italiana, no suposto intuito de branquear a povoação brasileira, o que contradiz diretamente o espírito Positivista de miscigenar os brasileiros brancos com negros e com indígenas. Aliás, um dos primeiros, senão o primeiro que no Brasil antagonizou certa pretendida superioridade branca e enalteceu o valor de negros e mulatos foi, não casualmente, o Positivista Roquette Pinto. Não passa de desinformação e até de calúnia asseverar que o positivismo colimava o desaparecimento da herança genética negra no Brasil, coisa que se esteve no espírito de alguns brasileiros, não o esteve no dos Positivistas.

O regime militar brasileiro nada teve de Positivismo verdadeiro nem nele se inspirou. Cientificismo, estatização, keynesianismo, aumento estatal, políticas intervencionistas, são políticas públicas determinadas por critérios próprios de governantes que assim os preferiram ou preferem, não são políticas inspiradas no Positivismo.

Na verdade, Frederico Hayek criou um espantalho, que chamou “positivismo”, símbolo indefinido, vago e genérico de políticas a que se opunha. Ele fomentou desinformação, ao associar o símbolo que nomeou “positivismo” com as doutrinas de Augusto Comte.

No Brasil, os neoconservadores, os olavinhos, os olavizados, a nova direita, os liberais em economia, os novos monárquicos, caracterizam-se por seu raso conhecimento do que seja o Positivismo; por sua crença, tola, de que Frederico Hayek referiu-se ao Positivismo ao verberar o “positivismo”; por sua crença, ignorante, de que o Positivismo é culpado pelo que eles julgam males. Os devotos de Hayek compõem nova geração de agentes da desinformação anti-Positivista e nova geração de papalvos em matéria de Positivismo.

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O REFORMISMO POSITIVISTA.

O reformismo positivista.

                                                                     Arthur Virmond de Lacerda Neto. Agosto de 2022.

Por décadas, grassou no Brasil corrente anti-Positivista, composta já por monárquicos e católicos, já por marxistas, já (atualmente) pelos chamados “conservadores”, em seu esforço contínuo de vilipendiar o Positivismo e sua contribuição, corrente expressa por autores como Eduardo Prado, João Camilo de Oliveira Torres, Ricardo Vélez Rodrigues, Antonio Paim, Roberto Gomes, Lelita Benoit, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Ramalhete, Marilena Chauí, Olavo de Carvalho, olavinhos e olavizados (o que abarca jornalistas da Gazeta do Povo); também por militares, notadamente dos anos 1930 por diante, inclusivamente até 1964 e lustros seguintes a tal ano.

A produção intelectual de tais publicistas, no que entende com o Positivismo exprime mais do mesmo espírito a ele hostil, da mesma carência de conhecimento direto da obra de Comte e da de seus discípulos (Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Carlos Torres Gonçalves, Alfredo Severo, Pedro [Pierre] Laffitte e outros), do mesmo ânimo de recusá-lo perante o geral dos leitores e perante o ambiente universitário, a modo de compor senso comum de antipositivismo tosco, militante e anacrônico, tipicamente brasileiro, que exprime a contribuição nacional para o rebaixamento da produção intelectual e para a propagação da desinformação, no que toa com o Positivismo.  

Apenas ignaros ou também maliciosos, o geral dos adversários do Positivismo desconhece que sejam ordem e progresso: são noções científicas, aplicáveis aos fenômenos em que encontramos certa forma de organização e certa maneira de modificarem-se: a organização, o arranjo, a disposição, a estática, em sociologia Augusto Comte chamou ordem; o modo de alterarem os fenômenos sociais, sua atividade, seu movimento, sua dinâmica em sociologia Augusto Comte chamou progresso.

Há estática e dinâmica em matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia, psicologia; eles não correspondem a sinônimos de (a) regime político autoritário (militar ou civil) e capitalismo, (b) segurança e desenvolvimento, (c) ordem burguesa e capitalismo, (d) espírito de hierarquia e disciplina, e manutenção de relações opressivas: tais são interpretações fantásticas e erradas.

Em cada fase histórica, constitui-se, espontaneamente, certo estado de coisas, certa ordem (no sentido de organização, arranjo, disposição das instituições, das convicções, dos costumes, do poder político, dos formadores de opinião), que não é perfeita nem necessariamente a melhor possível: a noção positiva de ordem espontânea discrepa de sua aceitação passiva e resignada; ao revés: espíritos bem formados e racionalmente preparados evitam confundir a “noção científica da uma ordem espontânea com a apologia sistemática de qualquer ordem existente”[1]. De facto: em relação aos fenômenos quaisquer, a filosofia positiva ensina estabelecer-se, espontaneamente, certo arranjo, sem jamais o pretender isento de inconvenientes, modificáveis até certo grau, por sábia intervenção humana. Mais desordenados de todos, os fenômenos sociais são, concomitantemente, os mais alteráveis[2]: o Positivismo nega o fatalismo em sociologia e reconhece a capacidade modificadora humana.

A ordem natural é “amiúde muito imperfeita”[3], pelo que o Positivismo convida à intervenção humana, que se exerça “sábia e ativamente”[4], visto serem os “fenômenos sociais […] ao mesmo tempo os mais modificáveis de todos e os que têm mais necessidade de ser utilmente modificados […]”[5].

À medida que as pessoas atuam e produzem resultados e reações, o estado de coisas vai se constituindo em certa medida empiricamente, ao sabor das iniciativas pessoais e das reações alheias. Nem sempre tudo corre bem, nem sempre tudo está bem: hemos de providenciar, de solucionar, de conciliar desarmonias, de atender a novas situações, de retificar desacertos — em suma, a ordem social merece aperfeiçoamentos, até exige-os.

Daí a necessidade da intervenção que sabiamente modifique para melhor o que existe. Não apenas os fenômenos sociais são os mais mudáveis, mais sujeitos à indústria humana, como esta deve dicar-se a melhorar tanto quanto possível tudo quanto possível: “[…] intervir, com sábia energia, em todos os casos modificáveis […] é o caráter prático da existência positivista, individual ou coletiva.”[6]. Em lugar de estimular a inércia, “o dogma positivista impele-nos à atividade, sobretudo social […]”[7].

Em geral, “o positivismo assina por fito contínuo de toda nossa existência, pessoal e social, o aperfeiçoamento universal, primeiro de nossa condição exterior[8] e em seguida, sobretudo, de nossa natureza interior.”[9] Quatro são os tipos do “aperfeiçoamento humano: primeiro material, depois físico, em seguida intelectual, enfim e sobretudo moral.”[10]

No Positivismo, o espírito republicano de preocupação com o bem-estar da coletividade “vota toda a nossa existência ao aperfeiçoamento universal. Ele obriga-nos a estudarmos a ordem natural para melhor aplicarmos nossas forças quaisquer, individuais ou coletivas, a seu melhoramento artificial.”[11]; ele também valoriza o melhoramento moral que cada um deve exercer em si próprio: “Nosso principal progresso, tanto coletivo quão individual, consiste em desenvolver sempre o império que só pertence a cada um, sobre nossas próprias imperfeições, sobretudo morais.”[12]: a autocrítica, o exame de consciência, a deliberação de retificarmos nossas imperfeições, de moderamos nossos excessos, de fomentarmos nossas qualidades, de procurarmos ser melhores.

Comte examinou a economia de seu tempo, cujo liberalismo, mais metafísico (imaginário) do que científico (observado) examinou e censurou; propôs capitalismo fraternal, em que o capitalista serve de agente de distribuição da riqueza que, tendo origem social, deve ter aplicação igualmente social, pró da elevação geral da condição de vida das pessoas, concepção porque o Positivismo foi e é combatido pelos “conservadores” egoístas, ao mesmo tempo em que o foi e o é pelos esquerdistas que erroneamente o tomam como “ideologia burguesa”, a despeito de sua vocação pró-trabalhadores.

Missões do Positivismo são as de:

I) instaurar novo poder espiritual, reitor de sentimentos, opiniões e costumes humanistas, de liberdade e generosidade.

II) Substituir a ética teológica por outra, antropocêntrica, com substituição de valores e critérios direta ou indiretamente bíblicos por outros, diretamente justificados em motivos humanos.

III) Incorporar o proletariado à civilização, isto é, elevar a massa humana às riquezas morais, intelectuais, materiais, afetivas da civilização, o que, por sua vez, vez, supõe conhecimento da “economia natural, que é preciso primeiramente estudar e respeitar para chegar a melhorá-la”[13].

O Positivismo é conservador, não no sentido partidário que a política brasileira coeva associa a tal adjetivo; é-o na acepção de manter o bom enquanto se melhora o que seja de mister aperfeiçoar: “conservar e melhorar”[14], como o conservadorismo romano. Dissociemos o Positivismo e seu conservadorismo das opiniões partidárias e até religiosas ora em curso no Brasil, bem ou mal denominadas “conservadoras”, e de seus próceres; associemos o Positivismo e seu conservadorismo com sua própria doutrina e seus modos próprios de ver a sociedade, os valores, a economia, a religião, a república.

Em cada época, a marcha natural da evolução histórica determina os aperfeiçoamentos oportunos a serem aplicados no conjunto da sociedade e ou em seus pormenores[15]; daí o aforismo de Comte: “Saber para prever, a fim de prover”, em que o terceiro verbo exprime, em sentido geral, a ação humana, que o Positivismo colima seja movida pela vontade do homem esclarecido, com espírito republicano e sentimentos generosos. O reformismo positivista concilia o aperfeiçoamento com a conservação[16].

Conservadorismo não implica imobilismo; conservar difere de cristalizar; reformismo importa em mudança para melhor; o conservadorismo positivista implica a conservação do bom e o melhoramento do necessário. Eis porque o Positivismo, republicano, humanista, libertário e fraternal, é a filosofia do melhoramento: é doutrina melhorista.

Para saber mais:

  1. Opúsculos de filosofia social. Augusto Comte. Com tradução no Brasil.
  2. Discurso sobre o espírito positivo. Augusto Comte. Com tradução no Brasil na coleção Os Pensadores.
  3. Catecismo positivista. Augusto Comte. Com tradução no Brasil na coleção Os Pensadores.
  4. positivismodeacomte.wordpress.com. Blogue de Arthur Virmond de Lacerda Neto, com miscelânea de artigos e autores sobre Positivismo. Contém a única tradução completa (e em português castiço), do primeiro capítulo do vol. I do Sistema de política positiva, de Augusto Comte (reproduzido parcialmente na coleção Os Pensadores).
  5. A república positivista, de Arthur Virmond de Lacerda Neto. Expõe o pensamento republicano do Positivismo e sua influência na organização primordial da república brasileira.
  6. A desinformação anti-Positivista no Brasil, de Arthur Virmond de Lacerda Neto (no mesmo volume em que se publicou Pequena história da desinformação, de Vladimir Volkoff). É raríssimo. Versão ampliada em positivismodeacomte.wordpress.com.
  7. O Positivismo no Brasil, de Mozart Pereira Soares. É boa sinopse do Positivismo e de sua presença no Brasil.
  8. A sociologia de Augusto Comte, de Jean Lacroix; A Ordem Política e Social em Augusto Comte, de Gian Luigi Destefanis. São dois livros em um só volume.
  9. As falsas bases do comunismo, de Alfredo Severo dos Santos Pereira. Expõe o modo de ver do Positivismo no que diz respeito a capital, trabalho, materialismo histórico, comunismo, luta de classes. É livro que os “conservadores” brasileiros carecem de ler.
  10. O Positivismo. Teoria e prática. Hélgio Trindade (organizador), 3º edição. É miscelânea de ótimos ensaios sobre o Positivismo como doutrina e como influência no Brasil.
  11. História do Positivismo no Brasil, de Ivan Lins. Em PDF no sítio do Senado Federal.
  12. Positivismo. Reabrindo o debate. Hermas Gonçalves Arana.

[1] COMTE, Curso de filosofia positiva, IV, 247.

[2] COMTE, Curso de filosofia positiva, IV, 247, 248.

[3] COMTE, Curso de filosofia positiva, IV, 249.

[4] COMTE, Curso de filosofia positiva, IV, 249.

[5] COMTE, Curso de filosofia positiva, IV, 249.

[6] COMTE, Sistema de política positiva, I, 355.

[7] COMTE, Sistema de política positiva, I, 55.

[8] Condição exterior: o meio material, físico, em que a humanidade existe; tudo quanto pertence ao mundo e não às pessoas.

[9] Natureza interior: tudo quanto diz respeito às pessoas (compleição, saúde, moralidade, afetividade, virtudes, cultura). COMTE, Sistema de política positiva, I, 106.

[10] COMTE, Sistema de política positiva, I, 109. Cf. p. 28, 29, 30, 108.

[11] COMTE, Sistema de política positiva, I, 323.

[12] COMTE, Sistema de política positiva, I, 327.

[13] COMTE, Sistema de política positiva, I, 27.

[14] COMTE, Apelo aos conservadores,  edição do Apostolado Positivista do Brasil, p. XIII. A tradução é de Miguel Lemos, em que a construção “conservar melhorando” contém galicismo.

[15] COMTE, Plano dos trabalhos necessários para reorganizar a sociedade, apud SARTORI, Eric: Le socialisme d´Auguste Comte, p. 107.

[16] COMTE, Sistema de política positiva, IV, 370.

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Positivismo e nudez.

Concebido por Augusto Comte (1798 – 1857), dois eram os fitos precípuos do Positivismo: incorporar o proletariado à sociedade moderna e laicizar a ética e a moral.  O primeiro significava elevar a massa humana, a humanidade em geral, às riquezas culturais, intelectuais, artísticas, materiais, que o estado da civilização contemporânea alcançara: era e é anelo dos positivistas o que em jargão moderno chama-se justiça social e sociedade includente. Vem daí a simpatia dos positivistas para com os trabalhadores e, no Brasil, o surto da legislação laboral nos anos 1930.

A laicização da ética e da moral implica afastar, como critérios de reflexão dos valores, e dos comportamentos humanos, ditames bíblicos, oriundos da teologia em geral: essencialmente humanista e antropocêntrico, o Positivismo bate-se porque nossos valores, costumes, instituições, pautem-se pelo quanto contribua para com a felicidade das pessoas e para com mais harmonia entre elas, sem temor de nenhuma deidade nem obediência a supostas revelações.

A laicização dos valores e dos comportamentos abarca também reconhecer a naturalidade e a inocência das partes do corpo que o cristianismo demonizou: mentula, escroto, mamas, genitália feminina, nádegas.

Sobretudo a contar da obra de Agostinho de Hipona (345 – 430), o cristianismo desenvolveu teorética antissexual e gimnofóbica (de horror da nudez). Assaz influente na formação do etos das sociedades cristianizadas, deve-se-lhe a associação de nudez com vergonha e pecado, que subverteu e inverteu a mentalidade e os costumes da antigüidade grega e romana, que não reconheciam no corpo humano partes indecorosas nem tinham na nudez motivo de pejo.

Sirva de exemplo a lei de Esparta segundo a qual nenhum espartano devia ter mais gordura do que a remanescente dos exercícios habituais no ginásio; a mesma lei dispunha que os rapazes se apresentassem nus, em público, decendialmente, perante os éforos: cumulavam-se de encômios os em boa forma, robustos e de corpos trabalhados pelos exercícios, semelhantemente às obras feitas no torno e com cinzel (Histórias diversas de Eliano, Cláudio Eliano, editora Martins Fontes, p. 291/292). O substantivo ginástica provém do grego gimnadezein, isto é, exercitar-se nu.

Outro: os atletas disputavam as olimpíadas em nudez e assim foi até a extinção delas, em 382, por determinação de Teodósio, imperador já cristão.

Mais um: deuses gregos e romanos, e imperadores romanos, eram habitualmente representados despidos, em estátuas e pinturas.

Ainda este: Priapo, deus romano da fertilidade e protetor dos mareantes, era representado com falo avultado em estátuas que se punham nos jardins das casas das famílias romanas, à vista também das mulheres e das crianças; priapéia era gênero poético desenvolvido na antigüidade romana e cujo tema era Priapo. Não casualmente, ele é dos poucos deuses de que o cristianismo não se apoderou e não transformou em santo: não há santo do pênis, das nalgas, da vagina, das mamas.

       A mentalidade cristã gimnofóbica permeia o etos dos brasileiros e influencia até ateus, livres-pensadores, sem-religião, evangélicos desigrejados, marxistas, que aderem ao conceito (de matriz cristã) de que mentula e mamas são inapresentáveis, em lugar de tê-los como inocentes.

         A herança cristã ainda modela assaz a mentalidade no Brasil, em diversos temas (para além da gimnofobia e do pudor como vergonha da nudez): aborto, eutanásia, conceituação de obscenidade; presença de igrejas, moralidade sexual, austeridade de costumes, machismo, nas classes baixas; imposição de vestuário (relativamente) austero em dados ambientes laborais e estudantis.

       Há ateus-cristãos, laicos-cristãos, sem-religião-cristãos: conquanto emancipados da teologia, aderem a valores e costumes parcialmente dela oriundos, difusos no ambiente mental em que vivemos.

O Positivismo colima haja ateus-humanistas, laicos-humanistas, humanistas, libertos de resquícios teológicos em seus valores e hábitos, e plenamente adeptos de outros, antropocêntricos. É reflexão que, aplicada às partes do corpo, importa na inocência da mentula, da mamas, da genitália, das nalgas, na dissociação entre elas e vergonha, entre nudez e vergonha, nudez e indecoro, na associação da nudez com naturalidade e inocência.

       Não se cuida de marxismo cultural, gramscismo nem de esquerdismo; notai vós que marxistas culturais e esquerdistas não se batem pela naturalidade da nudez, tampouco se opõem à gimnofobia (salvo, acaso, uma que outra exceção), nem ser naturista (adepto da nudez social com respeito para consigo, com o próximo e com o ambiente) vincula-se a opiniões políticas de princípio nem de circunstância: casa-se com dada cosmovisão que as transcendem.

       A naturalidade da nudez e a ausência de vergonha do corpo e de ser visto nu, típicas de gregos e de romanos, constituiu-se como movimento intelectual e de costumes na Alemanha, Áustria, Croácia, França, Espanha, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Portugal, parcialmente nos E. U. A., na cultura do corpo livre: livre de preconceitos, tabus e vergonha (também conhecida por seu nome em alemão: freikörperkultur, por abreviação F. K. K.). Na Europa, há décadas e gerações é trivial a nudez doméstica (em família) e nas suas inúmeras praias de nudismo, de que as de França e da Croácia recebem, anualmente, milhão e meio de turistas nudistas; na Alemanha havia (há ?) várias escolas nudistas, com aprovação oficial. Benjamin Franklin, João (Johann) Goethe, Walt Withman eram nudistas; se não estou em erro, também Bertrando (Bertrand) Russell.

       A exposição à luz solar com nudez integral foi recomendada por médicos franceses e alemães na segunda metade do século XIX, o que facilitou a despornificação da nudez na Alemanha, na Áustria, na França, especialmente em suas zonas protestantes.

       No Rio Grande do Sul, a Colina do Sol é a única “colônia” nudista do Brasil; na praia do Rio Grande (RS), vinte anos atrás eram comuns mamas ao vento (já agora, menos, aparentemente porque curiosos fotografavam-nas com seus telemóveis e inibiam as mulheres).

             As associações entre nudez e erotismo, nudez e vergonha, nudez e pecado, são artificiais, são-nos incutidas: se não no-las ensinam, elas não nos surgem espontaneamente. Podemos substituí-las pelas associações entre nudez e naturalidade, nudez e liberdade, nudez e inocência: elas são naturais, posto que as concebemos espontaneamente, quando não são contrariadas por aquelas.

Nudez é apenas o corpo destituído de revestimentos; ela não é inerentemente erótica e nem de longe é vergonhosa; tampouco a nudez da cultura do corpo livre é estética: ela não exalta o formoso e belo, não dispõe padrões de beleza determinados, como fá-lo a sociedade “vestidista”.

          Toda praia deve ser de nudismo facultativo; as mulheres devem poder expor suas mamas onde o homem pode expor seus mamilos, sentido, aliás, de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 2015, escassamente divulgado e de que, por isso, parcas mulheres usufruem. Não há crime na exposição das mamas em público: há o ciúme dos maridos, o primarismo dos intolerantes (como se lhes pertencesse intolerar como as mulheres governam suas mamas), a falta de ousadia das mulheres.

        A ética da gimnofobia (horror da nudez), de sua sexualização, do pudor (vergonha do corpo, de ser visto nu), da nudez como pecado e indecoro, tem matriz teológica (cristã); a ética da nudez como naturalidade, inocência, liberdade, comodidade, tem matriz laica (humanista, antropocêntrica). Já não há heteronormatividade (obrigação moral e social de ser-se ou parecer-se heterossexual), porém ainda há gimnofobia e pudor: no movimento de evolução do etos e do patos, em que substituímos cosmovisões e costumes, podemos manter o bom e retificar o necessário: conservar a liberdade individual no limite em que ela não prejudique a ninguém, e retificar as ideias de senso comum no que entende com a nudez.

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Nudez e Positivismo.

20.VII.2022.

Dois eram os fitos precípuos do Positivismo: incorporar o proletariado à sociedade moderna, laicizar a ética e a moral; o primeiro capítulo inspirou a simpatia dos positivistas para com os trabalhadores e, no Brasil, o surto da legislação laboral; o segundo capítulo abarca também reconhecer a naturalidade de todas as partes do corpo, designadamente as que o cristianismo demonizou, e sua inocência. Elas são a mentula, o escroto, as mamas, a vagina, a bunda.

A mentalidade cristã gimnofóbica permeia nossa sociedade e influencia até ateus, livres-pensadores, marxistas, positivistas, que aderem ao conceito (de matriz cristã) de que mentula e mamas são inapresentáveis, em lugar de tê-los como inocentes.

De facto, o cristianismo ainda modela assaz a mentalidade no Brasil, em diversos temas como aborto, eutanásia, conceituação de obscenidade, presença de igrejas em meio às classes baixas, moralidade sexual nelas, austeridade de costumes também nelas, gimnofobia em geral, vergonha da nudez, imposição de vestuário em dados ambientes laborais e estudantis.

Há ateus-cristãos, laico-cristãos, positivistas-cristãos: professam doutrinas emancipadas da teologia mas aderem a valores e costumes parcialmente oriundas dela. Conquanto as mentes se venham laicizando desde o século XIII, no Brasil ainda persistem elementos da inculcação teológica nos costumes, máxime nas classes baixas.

O positivismo colima haja ateus-humanistas, laicos-humanistas, positivistas, libertos de resquícios teológicos, bíblicos, em seus valores e hábitos e plenamente adeptos de valores e hábitos antropocêntricos.

Essa reflexão, aplicada às partes do corpo e ao nudismo, transcende a circunstância de estar-se nu ou de pregar-se a inocência de mentula, mamas, vulva, nádegas.

Não se cuida de marxismo cultural, gramcismo nem de esquerdismo; notai vós que marxistas culturais e esquerdistas não se batem pela naturalidade da nudez e não se opõem à gimnofobia (salvo, acaso, uma que outra exceção), nem ser naturista vincula-se com esquerdismo nem direitismo.

A naturalidade da nudez e a ausência de vergonha do corpo e de ser visto nu eram típicas de gregos e de romanos. Benjamin Franklin, João Goethe, Walt Withman eram nudistas; se não estou em erro, também Bertrando Russell.

A exposição à luz solar com nudez integral foi recomendada por médicos franceses e alemães na segunda metade do século XIX, o que facilitou a despornificação da nudez na Alemanha, na Áustria, na França, especialmente em suas zonas protestantes.

A cultura do corpo livre (de tabus e preconceitos), em alemão “freikörperkultur” (F. K. K.), como ética da nudez inocente, acha-se entranhada na mentalidade dos alemães, austríacos, franceses, croatas, espanhóis, há décadas e gerações. Na Alemanha havia (há ?) escolas nudistas, com aprovação oficial.

Reparai vós em que a cultura do corpo livre representa forma de ética humanista e coaduna-se com o afã positivista de laicizar a ética e os costumes. Não por acaso, a Europa é muito menos cristã do que o Brasil; em verdade, é ex-cristã e pós-cristã. A obra de Agostinho de Hipona introduziu no cristianismo horror da sexualidade e da nudez, subverteu séculos da herança ética e dos costumes greco-romanos; prevaleceu com o cristianismo nas sociedades ocidentais, com seus produtos daninhos da sexualização da nudez, da vergonha do corpo, da malícia; criou a associação entre nudez e sexualidade, nudez e erotismo, nudez e pecado, nudez e vergonha, nudez e desrespeito, nudez e malícia, ao passo que no modo de ver laico, nudez associa-se com naturalidade, liberdade, conforto, destituído de valorações negativas, do sentimento desagradável de vergonha, de sua associação erotismo.

  A antigüidade greco-romana formou o etos ocidental na naturalidade do corpo; o cristianismo subverteu-o, nesse capítulo; o humanismo há de reeducá-lo, mercê da retomada da ética greco-romana do corpo, modernamente expressa pela cultura do corpo livre (naturismo).

No Rio Grande do Sul, a Colina do Sol é a única “colônia” nudista do Brasil; na praia do Rio Grande (no estado do Rio Grande do Sul), vinte anos atrás eram comuns mamas ao vento, contudo atualmente já menos, aparentemente porque curiosos fotografavam-nas com seus telemóveis, o que inibe as mulheres.

 

 

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O Positivismo culpado do desastre da escola brasileira ?

                                                           Arthur Virmond de Lacerda Neto. 25.3.2022.

Gustavo Bertoche, doutor em filosofia no Brasil, brasileiro radicado em Portugal, acaba de lançar em versão digital coletânea de artigos intitulado “Escola brasileira: notas sobre um desastre”, em cujas páginas 176 e 177, lê-se:

          O Positivismo comteano ingressou no Brasil por meio de estudiosos, na faculdades de medicina e engenharia; pouco depois, ingressou nos meios militares, em que pontificaram professores positivistas como o renomado Benjamin Constant, Alfredo Severo Pereira, Heitor Cajaty, que persuadiram gerações de cadetes, que posteriormente seguiram carreira e ascenderam a postos superiores. Nada do positivismo dos brasileiros inspirou-se na “organização militar francesa”, nada do exército francês nem de sua armada de guerra influenciaram os positivistas brasileiros. A despeito da origem francesa do positivismo e de haver militares brasileiros positivistas, as forças armadas francesas foram de todo estranhas ao movimento positivista brasileiro e vice-versa. Imputar a este alguma origem naquelas constitui mais um mito, mais uma inverdade que se soma a tantas outras, de curso fácil no Brasil, em que nos anos recentes neo-conservadores e olavinhos, por seus mentores Olavo de Carvalho, Antonio Paim, Ricardo Vélez Rodrigues, e sua folha oficiosa (Gazeta do Povo) antagonizam o positivismo, ou antes, o espantalho que dele formam, a versão distorcida e predominantemente errada que dele difundem. O Brasil é o país do “diz-que”: fulano diz que o positivismo é isto e aquilo; a seguir, incontáveis leitores ingênuos põem-se a repetir conceitos errados na suposição de que seus emissores estejam bem-informados e sejam isentos, o que amiúde se desmente em ambos casos.

          No positivismo, tudo inspirou-se na obra de Augusto Comte, lida e estudada em seus originais, na ação espiritual (de argumentação e convencimento) desenvolvida por décadas por Miguel Lemos, Raimundo Teixeira Mendes, Carlos Torres Gonçalves e outros, mercê de intervenções, às centenas, em gazetas cariocas e em cinco centenas de opúsculos publicados pela Igreja Positivista do Brasil, a propósito de situações da atualidade, à luz do positivismo.

          Dizer que o positivismo brasileiro instalou-se entre nós por meio dos intelectuais que se formavam na França no século XIX é asserção vaga e equívoca: se tomarmos os positivistas franceses como intelectuais, como homens afeitos à leitura e à meditação da obra de Comte e das obras fundamentais da Humanidade, e à produção de trabalhos sociológicos, políticos, históricos, então é aceitável dizermos que o positivismo instalou-se entre nós também e parcialmente com a contribuição intelectual dos positivistas franceses, como de Pedro Laffitte, Eugênio Sémérie, José Lonchampt, Dubuisson, Emílio Corra, Carlos Jeanolle (também Emílio Littré, Wibouroff e outros), bem como graças aos colaboradores das revistas positivistas francesas, a Revista Ocidental e a Filosofia Positiva, que circularam por décadas, também no Brasil.

          O positivismo no Brasil arraigou-se essencialmente graças à adesão de civis, como de militares; teve adeptos civis, como também no Exército e na Marinha, em diversos graus, já ortodoxos (que aceitavam a filosofia e a religião positivistas), já heterodoxos (adesos apenas à parte intelectual do positivismo).

          O excerto de Gustavo Bertoche filia o positivismo brasileiro a duas fontes: 1) o exército, inspirado no exército francês; 2) os intelectuais franceses do século XIX.

          A primeira asserção está errada: o positivismo brasileiro filia-se à obra de Augusto Comte, conhecida de civis, como de militares, e propagou-se tanto entre uns quanto entre outros, e não exclusivamente entre os segundos; ele em nada se inspirou na “organização militar francesa”, inspiração fantástica e contrária a tudo quanto se sabe da história do positivismo francês e brasileiro. Estamos perante novo mito.

          A segunda asserção é imprecisa: o positivismo somente se inspirou em intelectuais franceses do século XIX no sentido da influência dos próprios positivistas franceses, cujos trabalhos eram meditados pelos positivistas brasileiros.

          Bastaria consulta à portentosa História do Positivismo no Brasil, de Ivan Lins, republicado pelo Senado Federal há poucos anos; à História do movimento positivista do Brasil, de Miguel Lemos; à história do positivismo no mundo, nos Anais da 1º reunião de positivistas (1978), para desacreditar-se o passo em questão do livro de Gustavo Bertoche, que erra no quanto afirma e no quanto deixa de afirmar: em duas vertentes, ele filia o positivismo brasileiro aos franceses, militares e civis; ele abstém-se de filiá-lo à sua fonte primeva, a saber, a obra de Augusto Comte e a seus propagadores civis, designadamente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, bem mais relevantes como influência dos que os militares.

          A seguir, Gustavo Bertoche julga presente em parte de nosso escol econômico e social parte do positivismo, à medida em que para aquele, somente se pode levar em conta o que puder ser medido e analisado quantitativamente, critério aplicado à instrução.

Ora, a mensuração, a medição quantitativa é forma de apreendermos os dados da realidade: medir, pesar, quantificar, estabelecer estatísticas, cotejar, são instrumentos úteis na compreensão das ordens humana e exterior (relativas ao homem e às coisas). A exatidão e a precisão representam dois dos sete atributos da palavra positivo, tal como o positivismo a entende. Para além deles, positivo também é o real, o útil, o relativo, o construtor, o simpático, o que transcende em muito a simples quantificação das coisas, pois contém o critério da realidade (em oposição ao fantástico), do humanamente valioso (em antagonismo ao ocioso), do relativo (isto é, do que leva em consideração o contexto), do construtor (que colabora para com soluções e melhoramentos), do simpático (que exerce afetividade em prol das pessoas e leva à inspiração de paz internacional e fraternidade pessoal).

  Não podemos, corretamente, empobrecer o positivismo e reduzi-lo ao mensurável e ao quantificável, menos ainda dizer que ele se limita a um e a outro. As quantidades observáveis pertencem à matemática, à física, à química, à estatística; não pertencem ao ideário do positivismo, à sua forma de avaliar realidades, de propor políticas, de entender a educação.

          Eis a falácia do espantalho: o positivismo consiste em aceitar apenas o quantificável; certo escol brasileiro importa-se apenas com o quantificável; logo, este é imbuído daquele ou aquele formou a este em espírito estatístico. Semelhante influência não existe, porque não existe, no positivismo, tal espírito quantificador. Este, se prevalece nas camadas dirigentes brasileiras, terá outra origem, que não o positivismo, cujo norte, não é, jamais foi, o de valorizar exclusivamente o que produza resultados mensuráveis.

  Seu norte, é com a formação integral das pessoas, ao longo da vida, com sua educação, de sorte que em cada fase da existência humana a pessoa compreenda a si própria e sua posição em sua vida e no contexto em que viva. Há, no positivismo, projeto de educação individual e universal, que Comte pretendia desenvolver em dois livros que sua morte impediu de escrever: a Moral Teórica e a Moral Prática, dedicado, um ao exame da natureza humana, outro, à educação do homem ao longo da vida. Trata-se de valores, costumes, inspirações, não de quantidades.

Se o pretendido escol brasileiro atém-se apenas ao que produza resultados quantificáveis, tal valorização será tudo, menos positivista, no sentido legítimo deste nome, como pertencente à obra de Augusto Comte e à ação de seus discípulos no Brasil e no restante mundo.

          O projeto de educação positivista constitui-se de:

a)  informação sobre a ordem humana e a ordem exterior, isto é, formação científica, aquisição de espírito positivo;

b) formação do indivíduo como integrante de família, de pátria, da humanidade, como agente de melhoramento pessoal e coletivo;

c) educação dos sentimentos de solidariedade entre contemporâneos, continuidade no tempo, fraternidade entre todos;

d) motivação para exercermos proficuamente nossa agência em prol do melhoramento da condição de vida da coletividade.

A educação positivista volta-se a estimular sentimentos generosos, a formar pessoas mais inteligentes e mais operosas. Com isto, a pretendida nata brasileira, que se cinge ao que produz resultados mensuráveis, e cujo espírito se manifesta na educação, não é positivista e nada tem de positivista. Fora-o, tivesse algo do verdadeiro espírito positivista, e não se encontraria a instrução brasileira no estado lastimável em que se encontra.

Hemos de erradicar, de uma vez para sempre, as falsificações intelectuais, prósperas no Brasil, que caricaturam o positivismo, que o apresentam como qualquer coisa que ele não é, para irrogar-se-lhe a origem dos males de que padecemos. Ele é outro dos bodes expiatórios, típicos, aliás, do etos brasileiro, que se caracteriza também pela incapacidade de as pessoas assumirem, coletivamente, suas responsabilidades, seus erros, seus malogros. Ao invés, disto, inculpam-se terceiros: a formação portuguesa do Brasil, o regime militar, o capitalismo, o positivismo; destes culpados de prontidão, voltou o Positivismo a estar em voga, explorado que vem sendo pelos neo-conservadores e pelos olavinhos, após haver sido vilipendiado pelos católicos e, a seguir, pelos marxistas.

  Gustavo Bertoche corretamente distingue instrução de educação, distinção patente na obra de Augusto Comte e de seus discípulos, segundo quem a primeira apetrecha o indivíduo de conhecimentos, dota-o de informações, ao passo que a segunda incute-lhe valores, motivações, critérios, formas de sentir, julgar, atuar. A confusão de instrução com educação, o tomar-se a segunda palavra em lugar da primeira, parece-me ser equívoco semântico por anglicismo e de lustros recentes. Algumas décadas atrás, ainda se falava, no Brasil, em instrução primária, secundária e superior; já hoje, fala-se em educação primária, secundária e superior. Educar é mais do que instruir.

  Qualquer consulta ao Catecismo positivista, de Augusto Comte (encontradiço em português) patenteia o que seja a instrução e a educação positivistas. Sobre o plano de educação universal positivista veja-se “A doutrina da educação universal na filosofia de Augusto Comte”, de Paulo (Paul) Arbousse-Bastide (PUF, Paris, 1957, 734 páginas).

Na verdade, a ênfase do positivismo na educação (entendida como formação da pessoa nos diversos ciclos de sua vida) transcende, de longe, a mera instrução escolar, não é quantificável, não pertence ao domínio das quantidades, mas ao dos espíritos, não ao do quanto mas ao do que.

Necessitamos, deveras, de positivismo, do vero, do autêntico, para aprendermos a distinguir informação de truz, de desinformação, e para aproveitarmos-lhe as lições para o engrandecimento da instrução pública e da educação das pessoas.

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